Vida normal [Um caso da minha vida concurseira]

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Laura

Grandes histórias – ou pelo menos as engraçadas ou desastrosas – costumam começar com alguém virando um shot de tequila, um copo de cerveja ou uma dose de whisky. Mas minha história não é grande – e nem engraçada ou desastrosa –, e eu tomava era uma garrafa de água mesmo ao dançar pelo quarto de hotel em Joinville. 

Se eu estivesse inspirada e precisasse descrever o meu sentimento no anoitecer do dia 19 de novembro de 2018, após entregar a última prova do concurso da Sefaz SC, seria algo como um alívio profundo, uma tranquilidade que relaxou meus ombros tensos e aliviou o enjoo que me perseguia pelos últimos meses de estudos.

– Eu vou tirar uma foto – meu namorado anunciou de onde estava, sentado na beirada da cama sobre o edredom branco, o celular já em mãos. Click. – A gente vai se lembrar deste momento pra sempre, você vai ver.

Sequei a boca com o dorso da mão, rindo – Ah, e como era bom rir sem o peso na consciência de que eu deveria estar fazendo outra coisa!

– Uma foto minha bebendo água?

Nathan me presenteou com seu sorriso gentil, daqueles que às vezes me dão a impressão de que, na verdade, ele tem a sabedoria, a vivência e os segredos de um senhor de 80 anos. Mas foi com a sua voz de 27 que ele respondeu:

– Uhum. Vamos nos lembrar sempre desse alívio misturado com alegria… – Ele me puxou pelo punho e me aninhou no seu colo, meu lugar favorito. – Desta vitória.

– Vitória? – Congelei, meu estômago despencando. – Mas… a gente não sabe ainda! E se eu não passar?

Ele balançou a cabeça para os lados e me apertou um pouco mais.

– Não, não. Qualquer que seja o resultado da prova, a vitória já é sua. – Ele me encarou, como se para reforçar as palavras com o olhar, mas só ergui uma sobrancelha cética em resposta. – É sério. Você deu o seu melhor todos os dias, se manteve firme e aguentou até o fim.

Desviei os olhos, as bochechas quentes.

– Graças a sua contagem regressiva – sorri para o chão.

– Nada disso. Você ficou mais forte. Quem te vê hoje nem lembra daquela garotinha de 22 anos que eu conheci.

– É… Eu pesei hoje cedo – eu disse. – O enjoo de nervoso dos últimos tempos me fez perder 6kg.

Ele revirou os olhos, rindo, e me fez cosquinhas na barriga.

– Deixa de ser boba, você entendeu.

Segurei sua mão e beijei seu sorriso.

– Só sei que agora eu posso tomar água à vontade – brinquei, com um humor que nem lembrava mais que tinha. – Foram o que… 8 horas?

– Por aí.

Respirei fundo e tomei mais um gole, só porque eu posso. Como se este gesto mundano colocasse o tão esperado ponto final à minha fase de renúncias e privações.

– Quando eu vi o tamanho da prova – eu disse, ignorando o frio na barriga que acompanhou a última palavra –, sabia que não teria tempo de ir ao banheiro. Alguns goles de água acabariam me custando umas três ou quatro questões.

– É, você saiu bem no finalzinho. – A preocupação salpicou sua voz.

– Aos 45 do segundo tempo. – Deitei a cabeça no seu peito quente antes de continuar: – Falando nisso, obrigada por ficar lá me esperando. E por ter levado meu almoço também.

– Era o mínimo que eu podia fazer. – Sua mão deslizou preguiçosa pelo meu braço.

Deixamos o silêncio tomar o quarto por alguns segundos, aproveitando a recém-chegada tranquilidade, torcendo para que ela nos fizesse companhia por muito tempo.

– É engraçado como as coisas mudam de valor a depender da situação, né? – refleti.

Sua risada ecoou por mim.

– É a tal da última Coca-cola do deserto. Certamente mais valiosa que em qualquer outro lugar.

– Uhum…

Inspirei fundo o perfume do seu pescoço. Acabou. Vida normal. Para mim, para ele. Me veio uma ideia:

– Quando a gente voltar, vamos ao cinema?

– Claro. Mais alguma coisa?

– Humm… – Ergui o olhar, encontrando o seu. – A gente pode não colocar o despertador amanhã? Nem sei mais o que é acordar depois das 5.

– Óbvio. – Ele sorriu. – A não ser que você precise levantar antes.

– Pra quê? – Franzi as sobrancelhas, um muxoxo tensionando minhas feições.

Ele deu de ombros e me fez mais cócegas na barriga ao dizer:

– Pra beber água!

Um gritinho, mais risadas, mais beijos, mais alívio. Um momento precioso, protegido, sagrado quase.

A ansiedade pelo resultado viria depois.

Naquela hora, ficou só a satisfação, a paz e o orgulho de um dever enfim cumprido.

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Picture of Sobre a autora

Sobre a autora

Aprovada nos concursos de Auditor Fiscal Estadual de Santa Catarina (7º Lugar), Auditor Fiscal Estadual de Goiás (23º lugar), Consultor Legislativo (4º lugar), Agente da Polícia Federal (em 2021).

Especialista em preparação para concursos públicos, técnicas de aprendizagem acelerada e estudos de alto rendimento.

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